Por Adrianna Ribeiro
A mãe contemplou o menino com preocupação. Conhecia aquele olhar. Olhar de ingênua curiosidade.
– Manhê, por que tudo junto se escreve separado, e separado é tudo junto?
A mãe tocou a tez com a ponta dos dedos.
– João, por que é!
– É o que o quê, mãe? Tudo junto ou separado?
– Ah, João… – Ela balançou o braço no ar. – Sei lá…
O garoto ergueu uma das sobrancelhas e não se deu por vencido.
– Manhê? – Coçando o queixo ele pergunta. – Por que o Mar Vermelho é azul?
A mãe respirou fundo, mas nem teve tempo para responder por que outra pergunta foi arremessada sem sua direção.
– Todo oceano é azul e todo mar é vermelho, ou só o mar vermelho é que azul?
– Filho, vamos conversar sobre isso em casa. Pode ser?
Mas o dedinho dele já estava apontado para a barra da calça dele.
– Porque a gente Calça a bota e Bota a gente calça?
As perguntas do menino eram disparadas numa velocidade mais rápidas do que ela conseguia processar.
Já na fila do supermercado, o menino continuava a alvejar a mãe com pergunta em cima de pergunta. Foi só a mãe colocar o pacote com o frango ao lado da caixa de ovos que ele se aprumou mais uma vez.
– E o ovo e a galinha, mãe? Quem veio primeiro?
O rapaz que atendia no caixa deu um sorriso com a pergunta do menino e olhou para a pobre mãe com um olhar do tipo ‘eu também já fazia isso’.
Mas quando uma jovem senhora encostou seu carrinho do deles, ele mudou o foco.
– Moça, como o bebê entrou aí?
E antes que ele perguntasse como o bebê sairia, a mãe largou as compras no caixa mesmo e pôs-se a puxá-lo pelo braço saindo do mercado.
– João, já conversamos sobre isso antes! – Ela apontou-lhe o dedo em riste. – Se você continuar a fazer isso, você vai ficar sem seu presente de Natal, entendeu?
O guri assentiu com a cabeça, mas os lábios curvaram-se levemente nos cantos. Ainda não estava derrotado…
Passaram por uma grande que vendia relógios, cordões e pulseiras de ouro. A mãe parou para admirar um cordão de ouro fininho com uma medalhinha de São Bento que sabia que nem com o salário de um ano como doméstica conseguiria pagar. A seu lado, os olhos de João pareciam hipnotizados pelo relógio de ponteiros cujas horas estavam escritas em algarismos romanos.
Sem falar nada, ele entrou na loja, e puxando a manga da camisa do vendedor indicou o objeto de seu fascínio.
– Como se escreve zero em algarismos romanos, moço?
Com o rosto mais rúbio que uma pimenta mexicana, a mãe deu um sorriso amarelo pro vendedor antes de arrancar o menino de dentro da loja.
– Desculpa, moço!
Os olhos enfurecidos dela se fixaram no rosto do menino. –
Agora já basta, João! – A mãe grunhiu tomada pela fúria incontrolável que só o João conseguia fazer brotar em seu peito. Contando até dez, ela fitou o menino em silêncio até que ele abaixou os olhos reconhecendo que tinha passado dos limites.
Abrindo a mão do menino e tirando uma moedinha do bolso, a mãe colocou a pratinha na palma da mãe dele, antes de fechá-la.
– Vai lá e compra o algodão doce! Vai!
Os olhos do menino brilharam ao perceberem o que ela havia feito.
Ao correr para o ambulante que já atravessava a rua, sua mente só pensava em uma coisa!
Deu certo!