Por Drika Yar
Da infância, lembro somente do chão de madeira rúbia, da janela alta e voz alegre que chamava a gente. “Loirinha? Ô, Loirinha?”
Esse era o chamado tão aguardado. E na cadeira, na ponta dos pés a menina se equilibrava para ver a rua, e atender ao dono do chamado.
Não que ele se escondesse. Parado sob a janela da casa de arquitetura lisboeta de eiras e beiras, o velho olhava cansado para e menina de cabelos encaracolados.
No carrinho, seu ganha-pão, doces cobriam a tampa do compartimento de isopor onde os sorvetes eram guardados.
Na janela, os olhos verdes piscantes encaravam a mãe com esperança, de que hoje como ontem, um mimo receberia. E com um aceno de cabeça, a mãe deu sua autorização, e a menina aponta o dedão para o drops sabor limão. Missão completa, a menina volta sua atenção para os Flintstones na televisão.
Por que então, esta recordação me reconforta o coração?
Era eu mais feliz naquela época, então?
Talvez sim, talvez não.
Num caleidoscópio de fragmentos, imagens amareladas e gastas pelo tempo, se formam. E eu a vejo, de novo. A doce da menina de cachinhos dourados sentada no chão em meio aos filhotes de cachorro sorri, alegre.
Foram muitas casas, muitas janelas. Na infância, mudei mais do que con-sigo lembrar. Mas em meio aos fragmentos das lembranças uma surge forte em minha mente.
A casa de quintal interno com cachorros correndo ao meu redor – um refúgio do mundo exterior.
Hoje entendo minhas escolhas, escolhas que levei anos para tomar por que nenhuma parecia ser a certa até que elas simplesmente aconteceram.
Por que eu não admitia cobrir o quintal da minha casa? E acabar com o meu refúgio de sol e liberdade? Ou seria apenas por que este remetia ao passado onde corria atrás da minha doce cadela, Candy.
Estendo-me na rede, e minha Boxer se deita junta mim, quebrando as leis da física, pois a rede onde caberia apenas uma pessoa, acomoda as duas. No balançar da rede, aproveitamos a paz daquele canto mágico da casa como se o tempo parasse enquanto estamos ali, em meio a risos e latidos.
E quanto ao vendedor de sorvetes que empurrava seu carrinho e batia de casa em casa? Aposentado, talvez? Talvez! Mas na melancolia que só o final de semana traz, vejo-o novamente empurrando o carrinho de sorvete, e sorrio do nada.
E imagem do carrinho da acentua a essência da casa – um refúgio na vida e no tempo. E neste momento reflito sobre minhas escolhas.
Adultos, curiosamente, buscam a segurança na insegurança da infância. No meu caso, uma casa de janela alta. Um cachorro a dar-lhe as boas-vindas ao retornar ao lar, e no chão rolar. Ou talvez, fosse a calmaria das cidades que já não existe mais, representadas pela placidez do vendedor de picolé, que so-zinho, segue empurrando seu carrinho?
Sei lá!
Mas, e você? Como é seu refúgio?